Um som alto.
- Jogue fora essa droga de coisa - disse irritado Billy Sawyer. - A gente não pode fazer um avião de papel com papel da biblioteca.
Pat não fez movimento algum para jogar fora a droga da coisa. Billy não disse mais nada.
Novas passadas, vindo em nossa direção.
Levantei a pistola e apontei-a para a porta. Ted sorria para mim, mas não acho que ele soubesse daquilo. Olhei para seu rosto, para os planos lisos, convencionalmente bonitões de seu rosto, para a testa, escondendo todas aquelas recordações de dias de verão em clubes de campo, danças, carros, os seios de Sandy, calma, ideais de correção e, de repente, tive certeza de qual era a última ordem-do-dia, talvez tivesse sido a única ordem-do-dia o tempo todo e, mais importante ainda, eu sabia que seu olho era o olho
Fúria - Stephen King
de um falcão e que sua mão era pedra. Para todos os efeitos, ele poderia ter sido meu próprio pai, mas isso não importava. Ele e Ted eram deuses remotos, olímpicos. Meus braços, porém, estavam cansados demais de derrubar templos. Nunca fui talhado para Sansão.
Os olhos dele eram muito claros e diretos, assustadoramente intencionais - olhos de político.
Cinco minutos antes, o som de passadas não teria sido ruim, vocês me entenderam?
Cinco minutos antes, poderia tê-los recebido bem, depositado a arma em cima do mata-borrão e ido ao encontro deles, talvez com um medroso olhar para trás, para as pessoas que eu deixava ali. Mas, naquele momento, eram os próprios passos que me assustavam.
Tive medo que Philbrick houvesse resolvido me pegar na palavra que tivesse vindo fechar a linha principal e deixar inacabado nosso negócio.
Ted fones sorriu com ar faminto.
O resto de nós esperou, observando a porta. Os dedos de Pat haviam se imobilizado em cima do avião de papel. Dick Keen estava de boca aberta e naquele momento, pela primeira vez, vi a semelhança familiar entre ele e seu irmão Flapper, um caso de Q.I.
deficiente que se formara depois de seis longos anos em Placerville. Nesse momento, Flapper fazia estudos de pós-graduação na Prisão Estadual de Thomaston, realizando trabalho doutoral em manutenção de lavanderia e limpeza avançada de colheres.
Uma sombra informe apareceu no vidro, da maneira que acontece quando a superfície é granulada e opaca. Ergui alta a pistola e me aprontei. Pelo canto do olho, observei a classe, examinando a porta com fascinação total, da maneira que a gente assiste ao último rolo de um filme de James Bond, quando a contagem corporal realmente sobe às alturas.
Um som apertado, uma espécie de gemido, escapou-me da garganta.
A porta se abriu e Irma Bates voltou. Fitou em volta, irritada, nada feliz por ver todo mundo olhando fixamente para ela. George Yannick começou a rir baixinho e disse:
- Imaginem só quem veio jantar.
Ninguém riu com a piada. A piada acabou sendo só para George. Nós outros simplesmente continuamos a olhar para Irma.
- Por que é que estão olhando para mim? - perguntou ela, zangada, ainda segurando a maçaneta. - Gente vai ao banheiro, será que vocês não sabem disso?
Fechou a porta, voltou a seu lugar e sentou-se afetadamente.
Era quase meio-dia.
Fúria - Stephen King
CAPÍTULO 28
FRANK PHILBRICK COMPARECEU EXATAMENTE NA HORA. Um estalido, e voltou ao alto-falante a bateria. Mas desta vez não parecia soprar e bufar tanto. Talvez quisesse me aplacar. Ou talvez houvesse pensado em meus conselhos sobre sua voz de orador e decidira aceitá-los. Estranhas coisas haviam acontecido, Deus sabia.
- Decker?
- Estou aqui mesmo.
- Escute, aquele tiro perdido pela janela não foi intencional. Um dos policiais de Lewiston...
- Não vamos nem nos incomodar com isso, Frank - respondi. - Você está me embaraçando e embaraçando essas pessoas aí, que viram o que aconteceu. Se tem absolutamente alguma integridade- moral, e tenho certeza de que tem, você está provavelmente também causando embaraço a si mesmo.
Pausa. Talvez ele estivesse se controlando.